Sensibilidade, empatia e humanização marcam semana de conscientização às perdas neonatais e gestacionais

Semana foi instituída no Calendário Oficial de Eventos do Município de por meio de lei do vereador Elton Negrini (PSDB)
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Transformar a dor da perda em histórias bonitas, bem como conscientizar sociedade civil e profissionais da saúde sobre a importância da sensibilização do serviço oferecido às mães que sofrem perda gestacional e neonatal, essa é missão da Semana Transformação.

A Semana foi instituída no Calendário Oficial de Eventos do Município de Araraquara por meio da Lei nº 9.275/18, de autoria do vereador Elton Negrini (PSDB), que tem como objetivo dar visibilidade à problemática das perdas gestacionais e neonatais; lutar por respeito ao luto de mães e pais que passam por essa experiência; dignificar o sofrimento e dar voz às famílias; e contribuir com a sensibilização do tema, disseminando informações, quebrando o silêncio e diminuindo o tabu. Realizada pelo grupo Transformação, que ampara e acolhe mulheres que sofreram perdas gestacionais e neonatais, e com o apoio da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Araraquara, a semana teve inicio na segunda-feira (15). As palestras contaram com a presença de psicólogos, médicos, enfermeiros, estudantes, mães e familiares que passaram pelo luto. No foco do debate, a necessidade em rever os protocolos dos serviços de saúde. “O que percebemos ao escutar relatos de mães que passaram por essas perdas é que falta humanização na maternidade, além de políticas bem pensadas para acolher de forma digna quem vive o luto. Em grande parte dos casos, a mãe não é informada sobre todos os processos que estão acontecendo com seu filho, o que gera angústia e medo. Além disso, essa mãe não é colocada em um espaço isolado, mas sim junto a outras mulheres que tiveram filhos saudáveis. Elas são obrigadas a escutar o choro do filho que não é seu. Chega a ser uma crueldade. Por isso, é tão importante conscientizar os profissionais da área da saúde”, explicou Heloísa Salgado, psicóloga e autora do livro “Como lidar: Luto perinatal”.

De acordo com a psicóloga Tatiana Machado, para sensibilizar é preciso empatia e, principalmente, o espaço para a escuta. “É por meio das palavras que as mães vão processar seus respectivos lutos, por isso, cabe a nós, profissionais da saúde, escutarmos suas angústias e sentimentos. É a partir do diálogo e da demonstração de afeto que podemos amenizar a dor”, justificou. Elton Negrini (PSDB) participou do evento junto com sua família, e aproveitou para reiterar sua importância. “É merecida e justa a Semana Transformação, uma vez que a perda gestacional e neonatal são fenômenos mais comuns do que se possa imaginar. Estima-se que a prevalência da perda gestacional varia entre 15 a 20% das gestações clinicamente diagnosticadas, atingindo até a 30% das gestações com diagnóstico bioquímico. Além disso, a escuta dessas histórias nos humaniza e nos torna mais conscientes sobre a importância de dar visibilidade a essa causa”, ressaltou.

 

Legislação

Apesar de Araraquara ser pioneira ao promover a Semana, ainda há barreiras na legislação que não asseguram a essas mães um período de licença no trabalho para que o luto possa ser vivenciado. A mulher que trabalha no funcionalismo público e que perde o filho precisa voltar a trabalhar já no dia seguinte.

Um dos objetivos do Transformação é a modificação da Constituição Estadual de São Paulo, a fim de garantir a licença-gestante às servidoras estatutárias que sofrerem a perda, assim como a CLT prevê. Os estados do Rio de Janeiro e do Piauí já conseguiram tal mudança na lei. Para Perla Cristina Frangioti Machado, mãe que passou por perda neonatal e também idealizadora do grupo, “quando um ente querido morre, a gente fala que está em luto. Porém o luto de um bebê de poucas semanas ou um bebê que nasceu sem vida, ele não é reconhecido. A sociedade falha em reconhecer que somos mães, pais, irmãos, avós desse bebê, que infelizmente não pôde conviver com o restante da sociedade”. Por indicação de Negrini, ao final da Semana, foi elaborada uma carta de diretrizes para garantir a continuidade de ações em prol das transformações almejadas, principalmente na área do direito.

 

Humanização do atendimento

A necessidade de um atendimento mais empático também foi tema de discussão da Semana. “Não podemos olhar só como profissional. Temos que olhar com empatia, sermos sensíveis à dor dos outros. A doula nem sempre passa só por coisas boas. Bebês são sinônimo de vida, a gente só pensa em alegria e precisamos saber acolher no momento de dor, não sermos indiferentes”, disse a doula Cristiane Raquieli.

O médico infectologista André Peluso falou sobre a evolução da medicina que acabou deixando o orientar, o aliviar e o confortar em segundo plano. “Não fomos capacitados para lidar com frustrações e perdas. Somos tão bem treinados para diagnosticar o problema, a doença que não conseguimos mais enxergar a pessoa que está na nossa frente”, afirmou. “A pessoa precisa ser vista em sua individualidade e em sua integralidade. Exercer a empatia exige um esforço muito grande. Nosso foco é nos compadecer”, completou. Ele citou, ainda, a Política Nacional de Humanização (PNH) e os grupos de apoio ao luto. “A semente que está sendo plantada pelo grupo agora vai contribuir em muito com essa prática, ampliando o contato e a comunicação entre as pessoas e os grupos, tirando-os do isolamento e das relações de poder hierarquizadas. Tudo isso passa também pela valorização do profissional”, entende o médico. “Expressões de compaixão e afeto na relação com o paciente trazem a certeza de que ele é parte importante de um conjunto, o que ocasiona a sensação de proteção e consolo, além de paz interior. Nós, profissionais da saúde, diariamente lidamos com a morte, porém, para as famílias, aquele é um dia único”, finalizou. Com 38 anos de experiência em partos, o médico obstetra Ricardo Hebert Jones destacou que faz parte da vivência do profissional encarar esses tipos de ocorrências, como a morte e a perda. “É um assunto que precisa ser falado para entendermos qual é a real função do profissional da saúde. Não se trata de eliminar a dor, mas dar-lhe sentido. Nossa academia ainda é muito conservadora. O profissional é um grande remédio para o paciente. Fico feliz em ver pessoas se sensibilizando.” Após cinco dias de intensos debates e reflexões, a semana teve seu encerramento no sábado (20) com a oficina do polvo de crochê que promoveu a troca de experiências entre participantes.




Publicado em: 23/10/2018 14:11:09